Fábio Mozart
Meu amigo camarada Antonio Costta manda uma mensagem ao mesmo tempo lisonjeira e preocupante. Ele afirma que é leitor diário dos meus posts e que sou um dos melhores cronistas do Brasil. “Mas me preocupo com a salvação de sua alma”, confessa Costta, citando a Bíblia: “de que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma para Deus?”
Ilustre e zeloso pregador, agradeço o elogio, mas garanto que não entro no rol dos grandes cronistas. Essa possibilidade é proporcional à salvação do rico na alegoria do camelo e da agulha, lembra?
Quanto à minha alma, não se preocupe, meu caro Costta. Uma vez no passado frequentei a Igreja Batista, levado pela minha mãe quando tinha dez anos de idade. Com os olhos da infância, nessa época comecei a descentralizar meus interesses, olhar em volta de mim, perceber as pessoas e a precariedade de sua fé. Tornei-me um homem de pouca fé, me desconstruí, achando que não precisava assim de tanta fé, porque “a fé não passa de um disfarce das dúvidas transidas de medo”, conforme sustentava Luiz Augusto Crispim, esse sim, um cronista dos grandes que a Paraíba criou e o Brasil reconheceu.
De acordo com Kant, o ser humano tem fugido da incerteza, sem desconfiar que a realidade verdadeira não nos é acessível. Por isso nossa inclinação para nos valer das doutrinas indiscutíveis. Isso é ruim na medida em que nos indispõe para conviver com as diferenças. Exemplo: por mais estúpido que possa parecer, muitos cristãos associam a tragédia do terremoto no Haiti às práticas religiosas daquele povo. Os que procuram salvar seus irmãos, como o amigo Costta, são repletos de boas intenções, mas muitas vezes movidos conforme a visão de mundo que considera seu grupo mais importante do que os demais.
Desviei-me do caminho, para desgosto de minha mãe que ainda hoje professa a fé cristã evangélica. Parei de me preocupar com o céu e o inferno. Nem por isso me julgo um perdido, combustível certo nas fornalhas do diabo. É como digo: da lista de seres invisíveis, só creio no juro embutido. Diabo, santo, alma penada, boitatá, comadre Fulôzinha ou qualquer outra entidade que não corresponda a uma realidade sensível não merecem minha crença. Isso não me fez bom nem mau. Esse desinteresse pela salvação de minha alma apenas me deu ferramentas ideológicas para ver o mundo em toda sua multiplicidade e complexidade, sem preconceito.
Portanto, por favor, não se esforce para me salvar. Não vale a pena.
www.fabiomozart.blogspot.com
Meu amigo camarada Antonio Costta manda uma mensagem ao mesmo tempo lisonjeira e preocupante. Ele afirma que é leitor diário dos meus posts e que sou um dos melhores cronistas do Brasil. “Mas me preocupo com a salvação de sua alma”, confessa Costta, citando a Bíblia: “de que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma para Deus?”
Ilustre e zeloso pregador, agradeço o elogio, mas garanto que não entro no rol dos grandes cronistas. Essa possibilidade é proporcional à salvação do rico na alegoria do camelo e da agulha, lembra?
Quanto à minha alma, não se preocupe, meu caro Costta. Uma vez no passado frequentei a Igreja Batista, levado pela minha mãe quando tinha dez anos de idade. Com os olhos da infância, nessa época comecei a descentralizar meus interesses, olhar em volta de mim, perceber as pessoas e a precariedade de sua fé. Tornei-me um homem de pouca fé, me desconstruí, achando que não precisava assim de tanta fé, porque “a fé não passa de um disfarce das dúvidas transidas de medo”, conforme sustentava Luiz Augusto Crispim, esse sim, um cronista dos grandes que a Paraíba criou e o Brasil reconheceu.
De acordo com Kant, o ser humano tem fugido da incerteza, sem desconfiar que a realidade verdadeira não nos é acessível. Por isso nossa inclinação para nos valer das doutrinas indiscutíveis. Isso é ruim na medida em que nos indispõe para conviver com as diferenças. Exemplo: por mais estúpido que possa parecer, muitos cristãos associam a tragédia do terremoto no Haiti às práticas religiosas daquele povo. Os que procuram salvar seus irmãos, como o amigo Costta, são repletos de boas intenções, mas muitas vezes movidos conforme a visão de mundo que considera seu grupo mais importante do que os demais.
Desviei-me do caminho, para desgosto de minha mãe que ainda hoje professa a fé cristã evangélica. Parei de me preocupar com o céu e o inferno. Nem por isso me julgo um perdido, combustível certo nas fornalhas do diabo. É como digo: da lista de seres invisíveis, só creio no juro embutido. Diabo, santo, alma penada, boitatá, comadre Fulôzinha ou qualquer outra entidade que não corresponda a uma realidade sensível não merecem minha crença. Isso não me fez bom nem mau. Esse desinteresse pela salvação de minha alma apenas me deu ferramentas ideológicas para ver o mundo em toda sua multiplicidade e complexidade, sem preconceito.
Portanto, por favor, não se esforce para me salvar. Não vale a pena.
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