sábado, 28 de novembro de 2009

Crônicas sobre Itabaiana

Damião Ramos Cavalcanti

Inácio de Moça morava no outro lado do rio Paraíba, em Itabaiana. Vinha uma vez por semana à cidade. Chegava cedo. Amarrava o cavalo numa pequena árvore à frente do Banco do Brasil e sentava em cima de uma surrada mochila dentro da qual trazia seu dinheiro. O saco maior continha sua refeição: farinha de mandioca, uns quilos de jabá e um cabaço d’água com rolha feita por ele mesmo. Seu amigo e conterrâneo da Una de São José, Inácio Ramos, proprietário da “A Barateira”, achava estranho tanta austeridade e demonstrações de pobreza naquele possuidor de fortunas. Vestia calça de mescla e camisa de manga comprida do mesmo tecido. Por isso, ignorava-se quando ele trocava de roupa, sempre vestido de azul e, por economia, só andava descalço.

Ao lado do cavalo, aqui e acolá mordicava o charque, à espera de que o banco abrisse suas portas. Apegado ao dinheiro, demorou a se convencer de guardá-lo longe de si, na cidade. Afinal de contas, o dinheiro que escondia debaixo do colchão, na sua modesta casa e depois, num pote enterrado na sua propriedade, vizinha às terras dos Durés, era igualzinho ao do Banco. No entanto, aconselhou-se com a mulher: - “Matuto é quem enterra dinheiro em botija”. Por esse tempo, a cidade contava com duas casas de crédito: O Banco do Brasil e a Cooperativa Agrícola de Itabaiana, de propriedade do “seu” Luiz Almeida, que aparentava não ser banco, porque não fazia exigências “como os bancos de verdade”: não cobrava cadastro; considerava o pretendente sempre bom pagador e de pronto concedia o empréstimo. Por falta da burocracia bancária, à baixa voz, acusavam aquilo de usura ou agiotagem. O dinheiro que Inácio depositava creditava-lhe ser recebido à porta pelo gerente que tudo escrevia, pedindo apenas ao rico homem rabiscar sua ilegível assinatura.

Os comerciantes se admiravam de como era possível carregar tanto dinheiro do mato até a cidade, sem ser assaltado. Logo se soube, porém, que Inácio de Moça tinha sido roubado, quando atravessava o leito do Rio Paraíba. E que, para isso, o ladrão acertou-lhe na nuca uma violenta “cacetada de peroba-rosa”. Paralítico, sofrendo dores, pouco lhe restou da vida. O abastoso agricultor amargurou não ter deixado, como queria, seu dinheiro enterrado no campo, ao seu lado, onde teria segurança e tranquilidade. Como dizia o poeta Horácio: “nada mais tranquilo do que a vida no campo...”, o que desconhecem os encantos da cidade. Em qualquer lugar, o apego ao dinheiro destrói a paz da abnegação. Como os antigos egípcios, há quem deseje levar suas riquezas para outra vida. No entanto, é o dinheiro que lhe leva a vida.

Damião Ramos Cavalcanti é Itabaianense, formado em Filosofia e Direito e tem mestrado em Filosofia pela PUG (Roma) e Sociologia da Educação pela Sorbone (Paris). Professor aposentado da UFPB, também já ensinou no Unipê e na UEPB.
Escritor e, desde 2007, é imortal da Academia Paraibana de Letras, onde ocupa a cadeira 33, que tem como patrono Castro Pinto. Ele tem dezenas de artigos, críticas e poemas publicados em livros, revistas e jornais. Sua obra mais conhecida é “Ausência do Tempo – Alguns dos 533 poemas já publicados no Poesia Pura”. E foi exatamente com um poema – “Saudades de mim mesmo”, que ele encerrou seu discurso de posse, como novo diretor do Iphaep.

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