domingo, 19 de julho de 2009

Fábio Mozart - Madame Satã por ela mesma

Madame Satã por ela mesma

Fábio Mozart


Na noite de 25 de fevereiro de 1900 eu nasci em Glória do Goitá, no meu Pernambuco. Nasci mal, porque minha família só não era mais pobre por falta de espaço. Dezessete irmãos passando fome numa casinha de ponta de rua, minha mãe aflita sem saber o que fazer pra saciar tantas bocas, acabei sendo trocado por uma égua. Mãe preferiu abrir mão daquele negrinho magricela e sem saúde, em troca da égua que ajudaria a carregar água do açude para as casas de família, arrumando assim qualquer coisa pra salvar os meus irmãos.

Desde então aprendi a falar alto, em função da posição precária que ocupava na sociedade. Ou eu me botava de macho, ou a vida me comia na porrada. Vivi de bicos no Recife, pedindo esmolas, às vezes carregando alguma fruta na feira, roubando uns trens pra comer. Isso até os 15 anos, quando descobri que era fresco. Michael Jackson do começo do século, eu tinha algum talento. Sabia me vestir de mulher, dançar, cantar, servir de garçom, cozinhar uma galinha de cabidela, e aprendi desde cedo a ter controle total sobre minha vida.

No cortiço onde morava fiz amizade com umas raparigas que viviam em clima de guerra com seus proxenetas. Eu me botei de segurança delas, carregando uma navalha. Neguinho meteu-se a besta, furei o bucho do cara e me mandei pra um lugar chamado Itabaiana, na Paraíba, território bom de se ganhar algum dinheiro porque lá, diziam, o cabaré se igualhava a Paris, de tanto luxo e riqueza. Viajei no trem para Itabaiana. O lugar realmente não era essas coisas, mas o cabaré fazia gosto! Cada pensão luxuosa, putas de todo tipo e origem, machos endinheirados, nem te conto!

O cabaré ficava depois da linha do trem, dividindo a cidade ao meio. De um lado, as putas e os veados, com a rapaziada da gandaia. Do outro lado, as famílias, os puritanos e os que não tinham coragem de atravessar a linha. Talvez por ter como referência a linha, o cabaré ficou conhecido como carretel. Nesse Carretel deitei, rolei e me transformei. Virei transformista, que é outro nome para travesti.

Gostei da cidadezinha, fiquei uns tempos... Não sei ler, mas ouvi falar muito que naqueles tempos os vaqueiros e tangerinos de boi desciam o sertão velho tangendo as boiadas, se encontrando tudo em Itabaiana, onde vendiam o boi e gastavam o dinheiro. Esse chamariz trouxe mais de seiscentas putas no tempo em que eu trabalhava de garçom em uma pensão. Era coisa de doido! A rua ficava entupida de gente nas noites de segunda-feira. Resultado: Itabaiana foi o centro irradiador da maior onda de sífilis e gonorreía já registrada na região.


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