Em agosto de 1979 circulou em Itabaiana o Jornal Alvorada, editado por Fábio Mozart, auxiliado por Arnaldo Barbalho e Joacir Avelino, contando ainda com a colaboração de Sósthenes Costa, Antonio de Pádua e Pedro Lourenço. Aquela edição trouxe uma crônica assinada por mim, com o título de “Canção de ninar em terras nordestinas”. Resumo da crônica:
“Dorme menino, do meu coração. Dormir é o meio prático de esquecer o rigor cruel da fome. Dorme, menino dos meus cuidados, que o teu pai se viu obrigado a sair da lei e não volta tão cedo. Dorme, menino, que a hipocrisia dos homens é mais oca que tua barriguinha comovida pela maldade atroz do bicho-papão. Dorme, filhinho, que teu pai foi sentar praça na polícia, desarmado e desabastecido, lutar contra o descontentamento geral.
Chõ, pavão, de cima do telhado, que o progresso ta chegando nessa terrinha, nesse fim de mundo, nesse teu xodó vestido de galho seco. Mas dorme, filhinho, do meu agreste coração, de minhas mandingas, dos meus pirões de farinha. Dorme, filhinho, dono dos meus cacarecos, dono do maracá de cascavel, de minha faca e de minha camisa de algodão grosso. Dorme que eu quero pegar uma enxada e puxar cobras para os pés disformes, pegar o pito e puxar fumaça para os brônqueos bloqueados de terra, poeira fina de massapé que pertence ao patrão.
Dorme que teu pai foi morrer na guerra deles, foi levantar fardos pela vida afora, foi derramar suor e verter lágrimas de estupidez.
Aproveita este acalanto e esquece teu pai que foi para o sul, onde o chamam de forte e bravo, onde transformam nossa fome em folclore, e transformam teu pai esperançoso em um ente parado, desnorteado na confusão, na angústia de tocar funeral em harpa de arame farpado. Um animal parado na multidão, entre figuras proeminentes, parlamentares, governadores, heróis, salvadores da pátria, cretinos de televisão, tomadores de uísque.
Dorme e segura a vida em tuas mãozinhas secas e reza o Pai-Nosso e espera em Padre Cícero. Dorme, filhinho. Lembra do presente de Papai Noel que você nunca viu? Também não trouxeram progresso pra nós. Dorme. Para sempre... “
“Dorme menino, do meu coração. Dormir é o meio prático de esquecer o rigor cruel da fome. Dorme, menino dos meus cuidados, que o teu pai se viu obrigado a sair da lei e não volta tão cedo. Dorme, menino, que a hipocrisia dos homens é mais oca que tua barriguinha comovida pela maldade atroz do bicho-papão. Dorme, filhinho, que teu pai foi sentar praça na polícia, desarmado e desabastecido, lutar contra o descontentamento geral.
Chõ, pavão, de cima do telhado, que o progresso ta chegando nessa terrinha, nesse fim de mundo, nesse teu xodó vestido de galho seco. Mas dorme, filhinho, do meu agreste coração, de minhas mandingas, dos meus pirões de farinha. Dorme, filhinho, dono dos meus cacarecos, dono do maracá de cascavel, de minha faca e de minha camisa de algodão grosso. Dorme que eu quero pegar uma enxada e puxar cobras para os pés disformes, pegar o pito e puxar fumaça para os brônqueos bloqueados de terra, poeira fina de massapé que pertence ao patrão.
Dorme que teu pai foi morrer na guerra deles, foi levantar fardos pela vida afora, foi derramar suor e verter lágrimas de estupidez.
Aproveita este acalanto e esquece teu pai que foi para o sul, onde o chamam de forte e bravo, onde transformam nossa fome em folclore, e transformam teu pai esperançoso em um ente parado, desnorteado na confusão, na angústia de tocar funeral em harpa de arame farpado. Um animal parado na multidão, entre figuras proeminentes, parlamentares, governadores, heróis, salvadores da pátria, cretinos de televisão, tomadores de uísque.
Dorme e segura a vida em tuas mãozinhas secas e reza o Pai-Nosso e espera em Padre Cícero. Dorme, filhinho. Lembra do presente de Papai Noel que você nunca viu? Também não trouxeram progresso pra nós. Dorme. Para sempre... “
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